As entrevistas em pesquisas qualitativas são uma das técnicas mais utilizadas para compreender significados, percepções e experiências humanas em profundidade.
Quando bem planejadas e executadas, elas permitem captar nuances subjetivas e contextuais que dificilmente seriam apreendidas por outros métodos.
Neste artigo, apresentamos como realizar entrevistas em pesquisas qualitativas, desde o planejamento até a análise dos dados, com orientações práticas e exemplos úteis para estudantes e pesquisadores.
1. O que são entrevistas qualitativas?
As entrevistas qualitativas são instrumentos de coleta de dados amplamente utilizados em pesquisas nas ciências humanas e sociais, cuja finalidade é compreender, em profundidade, as percepções, significados, experiências e interpretações dos participantes em relação a determinado fenômeno.
Diferente das entrevistas estruturadas de cunho quantitativo, as entrevistas qualitativas seguem um roteiro flexível e aberto, que orienta, mas não limita a conversa.
O foco está em construir um espaço de escuta e diálogo que permita ao entrevistado expressar-se livremente, trazendo à tona dimensões subjetivas, simbólicas e contextuais que dificilmente seriam captadas por instrumentos padronizados.
Características:
- Abertura ao improviso e à espontaneidade: embora haja um roteiro de temas ou perguntas, o pesquisador tem liberdade para aprofundar questões emergentes, explorar nuances e adaptar a condução conforme o fluxo da conversa.
- Valorização da subjetividade: busca-se compreender como o participante interpreta e dá sentido às suas experiências, não somente coletar dados objetivos ou comportamentais.
- Relação dialógica: a entrevista é um processo interativo, em que o entrevistador não é um observador neutro, mas um mediador atento e sensível ao discurso do outro.
- Foco na profundidade, e não na representatividade estatística: o objetivo não é generalizar, mas compreender em profundidade uma realidade específica.
2. Quando utilizar entrevistas na pesquisa?
As entrevistas são recomendadas quando:
- O objetivo é compreender vivências, percepções ou motivações
- Há necessidade de aprofundar temas sensíveis ou complexos
- O pesquisador deseja captar significados atribuídos pelos sujeitos
- O estudo é de natureza exploratória, etnográfica ou fenomenológica
3. Tipos de entrevista qualitativa
3.1. Entrevista estruturada
Segue um roteiro fixo, com perguntas previamente definidas. Menos usada em abordagens qualitativas puras.
3.2. Entrevista semiestruturada
Combina perguntas abertas com liberdade para explorar temas emergentes. É o modelo mais utilizado.
3.3. Entrevista em profundidade
Foco na exploração de narrativas, com poucas perguntas amplas. Demanda mais tempo e habilidades do entrevistador.
3.4. História de vida
Centra-se na trajetória pessoal do entrevistado, articulando memórias individuais e coletivas.
3.5. Entrevista grupal (grupos focais)
Realizada com pequenos grupos. Útil para observar interações e consensos.
4. Etapas da entrevista qualitativa
4.1. Planejamento
- Definição do objetivo da entrevista
- Elaboração do roteiro com perguntas abertas
- Escolha dos participantes (amostragem intencional)
- Autorização do Comitê de Ética, se necessário
4.2. Roteiro de entrevista
Um bom roteiro contém:
- Abertura (boas-vindas, explicação da pesquisa)
- Perguntas iniciais (mais amplas e acessíveis)
- Perguntas centrais (relacionadas aos objetivos da pesquisa)
- Perguntas de aprofundamento (exploram sentidos e detalhes)
- Encerramento (agradecimento e espaço para comentários)
Exemplo de pergunta aberta: “Como você descreveria sua experiência como professor durante o ensino remoto?”
4.3. Agendamento e ambiente
- Marque com antecedência e confirme a disponibilidade
- Escolha um local silencioso e confortável
- Garanta privacidade e clima de confiança
4.4. Condução da entrevista
- Inicie com empatia e escuta ativa
- Não interrompa o entrevistado desnecessariamente
- Siga o roteiro, mas esteja aberto a novas direções
- Use perguntas de sondagem: “Você pode explicar melhor?”, “Como foi isso para você?”
- Grave com autorização ou anote os principais pontos
4.5. Registro e transcrição
- Transcreva integralmente o conteúdo gravado
- Mantenha fidelidade à fala do entrevistado
- Utilize pseudônimos para preservar o anonimato
- Armazene os dados com segurança
5. Cuidados éticos
- Informe os participantes sobre objetivos, riscos e uso dos dados
- Solicite Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
- Respeite o direito de recusa e desistência a qualquer momento
- Preserve o sigilo e a confidencialidade das informações
6. Cuidados Metodológicos
- Elaborar um roteiro claro, mas não engessado.
- Estabelecer uma relação de confiança e respeito com o entrevistado.
- Gravar as entrevistas (com autorização) para garantir fidelidade à fala.
- Transcrever e analisar os dados de forma ética, crítica e interpretativa, respeitando o contexto de fala e as singularidades de cada sujeito.
7. Estratégias para analisar entrevistas qualitativas
7.1. Análise de conteúdo
Identificação de categorias, subcategorias e temas a partir do corpus textual. Técnica de Bardin é amplamente utilizada.
7.2. Análise temática
Busca padrões de sentido (temas recorrentes) dentro dos dados coletados.
7.3. Análise narrativa
Foca na estrutura, coerência e construção dos relatos, valorizando o encadeamento dos acontecimentos.
7.4. Software de apoio
- NVivo, ATLAS.ti, MAXQDA: auxiliam na codificação e organização dos dados
- Trello, Notion, Excel: úteis para organizar categorias e registrar insights
8. Exemplos de uso de entrevistas na pesquisa
- Educação: percepção de professores sobre metodologias ativas
- Saúde: experiência de pacientes com doenças crônicas
- Psicologia: relatos de mães sobre o diagnóstico de autismo
- Sociologia: trajetórias de mulheres em situação de vulnerabilidade social
9. Erros comuns e como evitá-los
- Perguntas direcionadoras: evitam respostas autênticas
- Falta de preparo do pesquisador: compromete a profundidade da entrevista
- Desrespeito ao tempo do entrevistado: causa desconforto e prejudica a qualidade dos dados
- Não transcrever com fidelidade: afeta a validade da análise
10. Vantagens e limitações das entrevistas qualitativas
Vantagens
- Produzem dados ricos e contextuais
- Valorizam a voz dos sujeitos
- Permitem aprofundamento dos temas
Limitações
- Demandam tempo para coleta e análise
- Podem sofrer influência do viés do entrevistador
- Resultados não são generalizáveis (mas são transferíveis)
11. Contribuições para a Pesquisa
As entrevistas qualitativas possibilitam ao pesquisador:
- Aprofundar a compreensão de fenômenos complexos;
- Captar sentidos subjetivos e práticas sociais invisibilizadas por métodos quantitativos;
- Construir conhecimento a partir da experiência vivida pelos sujeitos, contribuindo para pesquisas mais sensíveis, contextualizadas e comprometidas com a realidade.
Em suma, a entrevista qualitativa é mais do que uma técnica: é uma postura investigativa que reconhece a voz do outro como fonte legítima e rica de saberes.
Considerações finais
As entrevistas em pesquisas qualitativas são ferramentas poderosas para acessar o mundo interno dos sujeitos e compreender fenômenos complexos a partir de suas próprias perspectivas.
Quando realizadas com ética, preparo e escuta atenta, elas enriquecem o processo de investigação e ampliam a qualidade e profundidade dos resultados.
Dominar a técnica de entrevistar exige prática, sensibilidade e compromisso com o rigor científico.
Mais do que aplicar um roteiro, trata-se de construir um espaço de diálogo que respeite o outro e produza conhecimento significativo e transformador.